Uma assimilação das subjetividades acerca das ruas de São Paulo, que é traduzida e transposta para dentro do espaço cênico
Foto: Lucas Reitano
O Grupo Meio, com direção coletiva de Carolina Canteli, Iolanda Sinatra e Everton Ferreira, sendo os dois últimos também performers junto a Nina Giovelli e Maria Basulto, estreia “Babilônia” no Galpão do Folias, retomando a realização de um trabalho presencial do grupo, ao mesmo tempo em que realizando a pesquisa deste dentro de um espaço cênico.
Depois de alguns anos estudando e desenvolvendo a pesquisa de corpos-paisagens no contato direto com a rua, por meio de intervenções urbanas, reuniões em espaços públicos e estudos de observação e fotografia de rua, o grupo abraça a possibilidade de ainda assim pensar essa paisagem urbana que tanto pulsa em cada habitante e esquina de São Paulo, mas agora fazendo algumas perguntas fundamentais ao transpor e traduzir a rua para dentro da sala de apresentações, que são: afinal, não estaria a rua já incorporada na matéria física, na memória e na forma de mover-se e viver de cada sujeito? Como dar a ver isso? Como criar um trabalho cuja rua ou ideia de cidade paulista, não está no olhar e percepção direta para/com o público, como é o caso da intervenção urbana, mas sim possibilitar perceber a rua encarnada na pesquisa desse corpo-paisagem?
Foto: Lucas Reitano
Sendo o assunto “modos de viver na cidade” sempre interessante ao grupo, especialmente no que cabe à arte quando no encontro com o público não especialista e o espaço público, sendo esse encontro um ato artístico, mas também político, MEIO procura aguçar a curiosidade, aprender com o estar num lugar, sem pressupor que a arte deva interromper algo, ou alguém, mas como a direção artística do coletivo gosta de dizer: “quando fazemos intervenções urbanas, as fazemos e pensamos porque queremos que essas sejam mais que intervenções, sejam “convivências urbanas”, abrindo a possibilidade de viver a arte e a rua de forma menos rígida, menos provida de regras da coreografia da obrigação financeira, da coreopolítica e coreopolícia, como diz o pesquisador André Lepecki”.
Para Meio fazer arte é sim afirmar a disputa estética e ética com outras instituições e entidades notoriamente contrárias a uma cultura e vida democrática e diversa, não acreditando que o artista é de mais valia ou exerce poder sobre ninguém - aliás, o grupo também reforça a luta por serem vistos como trabalhadores e trabalhadoras, porém estes têm o conhecimento de que é somente pela inserção da arte no cotidiano, tecendo gestos sensíveis ao tecido urbano, percebendo que é mais importante a coreografia estar dentro do contexto, porém cultivando a desobediência à norma, para que o sujeito no seu núcleo individual e coletivo tenha um senso de pertencimento, possa imaginar existências e viver para além da sobrevivência.
Fazer um “ato parado” ou muito pequeno numa grande cidade em meio ao fluxo de pedestres, como é o caso da intervenção urbana ‘180’´(2018), a qual o grupo Meio se posiciona em locais de grande circulação de pessoas e mercadorias, cuja ação silenciosa (da parte dos performers) é a de fazer um giro de 180º em um único ponto, como seres que desafiam o impulso de transitar e criam um corpo-paisagem entre humano, planta artificial, escultura-viva ou qualquer outra imagem acerca desse corpo que ao esconder sua rostidade, borra-se também no espaço público, faz-se corpo-coisa, corpo-árvore, corpo-poste, corpo-prédio.
Ou mesmo favorecer o dissenso com uma ação artística, permitindo que a rua não seja simbolizada apenas nos seus fluxos maquínicos, mas sim revelar o campo sutil da rua, suas curvas subterrâneas, as percepções labirínticas e sensíveis do viver numa cidade que se assemelham e penetram nas entranhas, vísceras e, por consequente, nas vidas de cada pessoa, como é no caso da criação em “Babilônia”.
Foto: Lucas Reitano
Portanto, foi através de muito tempo pesquisando a arte na rua, para a rua e sobre a rua, que MEIO nutriu os hábitos sensoriais, gestuais e imaginários através de outras forças, assumidamente distintas da força do automatismo em que na maioria das vezes, a vida urbana produz. E foi assim, que no atual processo de criação, com apoio do edital PROAC 04/2021 - Produção e temporada de Espetáculos Inéditos de Dança o grupo se acercou da ideia de criar uma babilônia, um labirinto a ser percebido muito mais pelos rolamentos, espirais e caminhos que as performers fazem durante o trabalho, do que materializar essa cidade no seu mapa arquitetônico.
Preteriu-se fazer a partir de construções coreográficas, cujo movimento de queda, tontura e até mesmo enjoo, possam dar a perceber uma sensação de cidade em sua travessia, em um estado de vertigem, em que os cruzamentos das ruas e avenidas, também se mesclam com as encruzilhadas e cruzamentos de decisões, violências ou até pequenos gestos de afetividade que fazem parte da vida numa cidade superpovoada, repleta de encontros de mundos distintos, totalmente contraditória e efervescente.
Ficha Ténica
Direção artística e criação: Carolina Canteli, Everton Ferreira e Iolanda Sinatra
Criação e Performance: Everton Ferreira, Iolanda Sinatra, Maria Basulto e Nina Giovelli
Produção Executiva e Administrativa: Iolanda Sinatra
Assistente de Produção: Tetembua Dandara e Mariana Dias
Preparação Corporal: Paulo Carpino
Provocação Cênica: Deise de Brito
Iluminação e Automação: Marcus Garcia
Trilha sonora: Natália Francischini
Design Gráfico: Felipe Teixeira
Foto e vídeo: Lucas Reitano
BABILÔNIA
Temporada: De 09 a 14 de Agosto
Horário: Terça a Sábado, às 20h | Domingo, às 19h
Local: R. Ana Cintra, 213 - Santa Cecília
Ingressos: Gratuito | Retirar 1h antes da apresentação
Duração: 40 minutos
Classificação: Livre
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