Espetáculo discute os desafios do processo de construção da intimidade
Foto: Ligia Jardim
As dualidades e barreiras quase intransponíveis que criamos quando nos relacionamos com o “outro” são questões discutidas pela peça "Nós", livremente inspirada no contexto distópico proposto pelo romance homônimo do russo Ievguêni Zamiátin (1884-1937). O espetáculo, concebido e atuado por Fernanda Stefanski e André Zurawski estreia na Oficina Cultural Oswald de Andrade.
Publicada pela primeira vez em 1924, a distopia futurista de Zamiátin influenciou grandes obras desse gênero, como 1984, "Admirável Mundo Novo" e "O Conto da Aia". O romance se passa no futuro e retrata um estado totalitário, no qual as emoções foram eliminadas. Não há mais divergência entre as pessoas, liberdade ou qualquer forma de privacidade.
Foto: Ligia Jardim
O espetáculo não se propõe a realizar uma adaptação teatral dessa distopia, afirma André Zurawski. “A estrutura do romance apresenta uma sequência de peripécias e fluxos de consciência em primeira pessoa do protagonista. Nosso desejo era construir uma dramaturgia em dueto, que abordasse a distopia pela perspectiva de dois protagonistas no momento atual, e entender o quanto já somos distópicos em em 2022."
A pesquisa concentra-se na investigação das fronteiras que permeiam as relações na contemporaneidade, levando em consideração uma das características primordiais da espécie humana: o medo do “outro”, principal responsável pelos sentimentos de isolamento e solidão, cada vez mais radicalizados em nossa sociedade.
“O romance retrata os conflitos na relação entre duas pessoas que vivenciam o 'amor romântico', e se encerra com um desfecho trágico. Nosso desejo era discutir as construções ficcionais que estruturam o conceito de 'amor', na tentativa de compreender possibilidades de desviar desse ideal trágico do amor impossível, um
modelo que ainda persiste com força na sociedade ocidental nos dias de hoje. Depois de muitos desvios e resistências, entendemos a importância da nossa honestidade no processo de criação. Somos eu e Fernanda em cena, dirigindo e atuando e escrevendo e brigando. E, como somos um casal na vida real, foi impossível não considerar essa verdade na construção da nossa ficção", comenta André.
A trama apresenta o processo de construção da intimidade entre duas pessoas que se conhecem por acaso, e enfrentam a barreira do cinismo como censura do amor, intensificando suas dúvidas e as paralisando. A salvação está no resgate da potência das faculdades humanas: a imaginação, a memória e o sonho – erradicados no futuro distópico do romance de Zamiátin.
“Nós observamos que a distopia de Zamiátin fala muito sobre nosso tempo: o controle da privacidade, a redução radical dos espaços de intimidade, as redes sociais como ferramentas para a construção programada de ficções. No livro, as personagens vivem em apartamentos de vidro, são observadas o dia inteiro e têm direito a abaixar as cortinas por apenas uma hora por dia – a hora pessoal. E 60 minutos é exatamente a duração do espetáculo. No decorrer dessa hora íntima, cercados por paredes de concreto, revivemos o ritual teatral, ancorados pela força da ficção, na tentativa de representar o "estado selvagem de liberdade" que os selvagens do romance preservam." reflete Fernanda Stefanski.
Foto: Ligia Jardim
Outro tema pesquisado pelos artistas é a dualidade, por meio da qual o ser humano instintivamente observa o mundo e estabelece fronteiras entre nacionalidades, etnias, religiões, classes, gêneros, dividindo as pessoas entre "eu/nós/você/eles/os outros".
“São duas personagens que se comunicam através de duetos, diálogos, padedês, duelos… Estamos brincando com separações que criam dualidades e a encenação está sendo pensada a partir do conceito de pares", acrescenta Fernanda.
Já a dramaturgia foi pensada especificamente (site specific) para a Oficina Cultural Oswald de Andrade, que atualmente passa por uma reforma. “Vários espaços estão sem forro, com as paredes descobertas e estruturas à mostra. Essa reconstrução do espaço físico da sala de ensaio onde a peça foi criada foi incorporada à dramaturgia. Todas as restrições e constrangimentos decorrentes da reforma – poeira, entulho, interdição de espaços e avisos de perigo – se tornaram metáforas para o tema do projeto: o compreensão do amor não apenas como um sentimento e sim como uma ética de vida e construção cotidiana, que só tem sentido na ação. O amor é o que o amor faz", conclui a diretora.
Ficha Técnica
Concepção, direção e dramaturgia: Fernanda Stefanski e André Zurawski Assistência de direção: Jorge Ferreira
Dramaturgismo: Jorge Ferreira e Sofia Riccardi
Elenco: Fernanda Stefanski e André Zurawski
Produção executiva: Aura Cunha e Yumi Ogino
Desenho de movimento: Beth Bastos
Cenografia e desenho de luz: Marisa Bentivegna
Figurinos e adereços: Chris Aizner
Fotografia: Ligia Jardim
Projeto audiovisual e tecnológico: Núcleo Instável
Música original e desenho de som: Charles Tixier
Arte gráfica: Eric Peleias
Orientação dramatúrgica: Luis Felipe Labaki
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Redes sociais: Jorge Ferreira
Palestrante convidada: Magô Tonhon
O espetáculo NÓS é realizado com recursos da 12ª edição do Prêmio Zé Renato
NÓS
Temporada: De 24 de Agosto a 24 de Setembro
Horário*: Quartas, Quintas e Sextas, às 20h | Sábados e Feriados, às 18h
Apresentação-desmontagem: Dias 02, 09 e 16 de Setembrp, às 17h
Local: Rua Três Rios, 363, Bom Retiro
Ingressos: Gratuito | Distribuídos uma hora antes de cada sessão
Duração: 60 minutos
Classificação: 14 anos
Capacidade: 40 lugares
* Dia 23 de Setembro, Sexta às 17h e 20h
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