O texto revela um personagem de um ator que, depois de ter sido recusado para um papel no filme sobre o escritor, resolve criar uma peça na qual mistura sua obra e vida.
Foto: Danilo Ferrara
"Provavelmente Saramago" é um solo inédito interpretado por Vinícius Piedade cuja trama gira em torno de um ator que, depois de ser preterido num casting para um filme sobre Saramago, resolve montar um espetáculo teatral no qual, ao mesmo tempo que revela a sua decepção com o cinema, partilha, com o público, as suas interpretações sobre a vida e obra de Saramago. Na direção de Paulo Campos dos Reis, a cada nova tentativa de adaptação cênica, o ator revê suas ideias e tramas, cruzando ficção e realidade em um labiríntico jogo de espelhos.
A estreia acontece no Auditório da Biblioteca Mário de Andrade. No fim de setembro e início de outubro, o trabalho se apresenta na Fundação Saramago, em Lisboa, como parte das comemorações do centenário do escritor português – é o único espetáculo brasileiro a fazer parte da efeméride.
No texto, assinado em parceria entre Vinícius Piedade (Brasil) e Paulo Campos dos Reis (Portugal) – atores, encenadores e dramaturgos (como o personagem do espetáculo) –, o ficcional e o documental se misturam e procuram um diálogo com José Saramago com o objetivo de refletir, hoje, sobre a recepção da sua obra.
Foto: Danilo Ferrara
A partir dessa ideia, os dois artistas colocam a questão: “Como nos posicionamos como artistas, como cidadãos, como seres humanos em relação a sua mundividência e convicções? Eis a pergunta a que Provavelmente Saramago tenta (ensaia) responder.”
“A ausência da quarta parede estabelece uma relação dialógica entre o ator e o público, pedindo de empréstimo, à gramática da verosimilhança do teatro documental, o emprego de um registo de discurso autobiográfico. Ilusório, todavia. Ou parcialmente.
O relato do sujeito da enunciação mistura realidade e ficção estabelecendo a figura do ator como uma personagem metateatral. Este dispositivo de credibilização do discurso permite, por outro lado, a mais valia de sintetizar e de fazer ressoar, num só ator, as palavras de tantos outros, especialmente quando este se refere a determinado passo, com verrinosa ironia, aos estereótipos associados à profissão”, revela o diretor Paulo Campos dos Reis.
O ator Vinícius Piedade completa que o espetáculo, por meio do exemplo de Saramago, associa o ato de criação artística à ideia de trabalho e de resiliência – a consolidação do seu percurso como romancista começará, pouco ortodoxamente, depois dos sessenta anos de vida. Em contraponto, o espetáculo respinga e valoriza aspectos da sua anterior “extraordinária biografia ordinária”.
Ponto de Partida
Foto: Danilo Ferrara
Provavelmente Saramago nasceu do encontro de dois criadores teatrais da lusofonia: Paulo Campos dos Reis (diretor português) e Vinícius Piedade (intérprete brasileiro). Os artistas, que se conheceram e se reencontraram em diferentes Festivais de Teatro lusófonos (em Angola, em Cabo Verde e em Portugal), logo perceberam que a conexão artística viria pela obra do escritor, referência para ambos. E desse anseio teatral/literário nasceu a ideia da coprodução.
Paulo e Vinícius, que assinam o roteiro/texto/dramaturgia, constroem um espetáculo teatral que poderia definir-se como eles mesmo dizem “o modo como um leitor dialoga pessoal e intimamente com uma persona e obras literárias”.
Foto: Danilo Ferrara
“O resultado é, ao mesmo tempo, uma celebração da obra de Saramago e uma confirmação do profundo impacto que a sua vida e obra causam na experiência de quem o descobre”, diz Vinícius Piedade.
Um retrato provável
Em cena, o ator interpela o público e fala da sua experiência profissional e do seu desejo irresistível de compor um espetáculo sobre a figura de Saramago e sua obra. A tarefa, no entanto, resulta difícil de concretizar; quanto mais fundo pesquisa e lê, mais pontos de contato encontra entre a sua biografia e os temas que o “dossiê Saramago” convoca. Em tudo, a sua mundividência se identifica com a de Saramago e a todo o instante se apropria de Saramago para falar de si mesmo.
Foto: Danilo Ferrara
Com o público, o ator vai partilhando as suas diversas possibilidades de mise-en-scène – ensaiando, por exemplo, adaptações de excertos dos romances de Saramago - sem, no entanto, se contentar com o resultado de nenhuma. “Para justificar a sua permanente deriva, aponta para ideia de que Saramago é tão prolixo que qualquer retrato que se lhe queira fixar nunca será senão pessoal e intransmissível; será sempre, apenas, um ‘retrato provável’”, revelam os autores.
“No palco, a cena é praticamente enxuta de elementos cênicos. Será este espaço despojado (e, deste modo, pronto e aberto para o jogo das possibilidades) que o ator/contador preencherá com o seu José Saramago pessoal, representado. Aqui, quando cenas sínteses evocam alguns romances de Saramago, a encenação privilegia a criação de imagens simples e depuradas que convidam o espectador para um jogo simbólico e de imaginação”, finaliza o diretor.
Ficha técnica
Texto: Paulo Campos dos Reis e Vinícius Piedade
Direção: Paulo Campos dos Reis
Interpretação: Vinícius Piedade
Iluminação: Paulo Campos dos Reis e Vinícius Piedade
Figurino: Piedad (Ana Maria Piedade)
Fotografia: Danilo Ferrara
Vídeo: Nara Ferriani
Design gráfico: Pedro Velho
Operação de som e luz: Márcio Baptista
Direção de Produção: Ricardo Soares (Portugal) Vinícius Piedade (Brasil)
Coprodução: Vinícius Piedade (Brasil) e Musgo Produção Cultural (Portugal)
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto (Márcia Marques)
PROVAVELMENTE SARAMAGO
Temporada: De 01 a 29 de Agosto
Horário: Segundas, às 19h
Local: R. da Consolação, 94 - República
Ingressos: Gratuitos | Retirar 01 hora antes do início do espetáculo
Duração: 70 minutos
Classificação: 12 anos
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